PUBLICADO NO DODF Nº 205, 24/10/2024, PG 8, 9, 10 E 11.
Solução de Consulta nº 31/2024
PROCESSO nº 04044-00007882/2024-46
ICMS. Superveniência de norma geral em Direito Tributário. § 4º do art. 24 da Constituição Federal. Lei Complementar nº 190/2022. Lei Complementar nº 87/1996. Base de Cálculo. Base dupla e base única. Cargas Tributárias iguais. Interpretação Teleológica.
I – Relatório
1. Trata-se de Consulta formulada por pessoa jurídica de direito privado, envolvendo a legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, regulamentado neste território pelo Decreto nº 18.955/1997 (RICMS) e alterações legislativas posteriores.
2. Na inicial, o Consulente, localizado no estado de São Paulo, indica que tem como atividade principal a fabricação de cabines, carrocerias e reboques para caminhões (CNAE 29.30-1/01).
3. O interessado apresenta dúvida em relação ao diferencial de alíquotas do ICMS (DIFAL) na venda de mercadorias para consumidores finais, tanto para contribuintes do ICMS (mercadoria destinada a ativo imobilizado) quanto para não contribuintes, localizados no Distrito Federal.
4. Aduz ainda dúvida a respeito da alíquota a ser adotada para as mercadorias em geral, se 20% ou 18%. Haja vista, respectivamente, as redações da alínea “c” do inciso II do art. 18 da Lei nº 1.254/1996 e da alínea “c” do inciso II do art. 46 do Regulamento do ICMS (RICMS).
5. Como forma de demonstrar seu entendimento, o Consulente apresentou exemplos numéricos do seu raciocínio acerca do cálculo do DIFAL, justificando seus procedimentos na Lei Complementar nº 190/2022, que alterou a Lei Complementar nº 87/96, no RICMS e no Convênio ICMS nº 236/2021.
6. Assim, ele apresenta os seguintes questionamentos, “ipsis litteris”:
“A) Se o entendimento expressado pela Consulente para determinação da base de cálculo do diferencial de alíquotas nas vendas efetuadas a não contribuintes do ICMS está correto, ou seja, se deve:
(i) excluir o ICMS interestadual, para iden?ficar o valor da operação sem o ICMS;
(ii) Incluir o ICMS no valor encontrado no item (i) acima considerando a alíquota interna no Distrito Federal, adotando a fórmula Vr. Operação sem ICMS / (1 – alíquota interna).
B) Se o entendimento expressado pela consulente no cálculo do diferencial de alíquotas nas aquisições efetuadas por contribuintes do ICMS de mercadorias destinadas ao ativo imobilizado com base na Lei nº 1.254/1996 e o RICMS-DF/1997 está correto, ou seja, se deve aplicar, sobre o valor da operação apresentada na nota fiscal, a diferença entre as alíquotas interna e interestadual;
C) Qual o procedimento a ser adotado na determinação do valor do ICMS a ser recolhido a ?tulo de diferencial de alíquotas nas aquisições efetuadas por contribuintes do ICMS de mercadorias destinadas ao ativo imobilizado: se o cálculo efetuado com base na Lei nº 1.254/1996 e o RICMS-DF/1997 ou o cálculo expressado pela Consulente com base no seu entendimento da LC nº 87/1996, com as alterações trazidas pela LC nº 190/2022;
D) Se os cálculos hipotéticos apresentados pela Consulente, tanto na determinação do valor a ser recolhido a ?tulo de diferencial de alíquotas nas vendas para não contribuintes do ICMS quanto nas aquisições efetuadas por contribuintes do imposto,estão corretos/
E) Caso não estejam corretos, solicita na Consulente uma explicação sobre o cálculo a ser adotado, inclusive com demonstração do cálculo a ser observado, tanto nas operações com contribuintes quanto nas operações com não contribuintes do ICMS.”
7. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Estado de Economia (SEEC) para as providências formais cabíveis.
8. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.
II - ANÁLISE - Fundamentação
9. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.
10. Como cediço, o sistema jurídico-tributário, que norteia a Administração Tributária, tem como um de seus corolários a hierarquia de normas, que fundamenta o princípio da legalidade tributária e da supremacia da Constituição 1.
11. Nesse compasso, a Constituição Federal identifica temas cuja competência é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Nestas matérias, a União se encarrega de disciplinar assuntos gerais e os demais entes, os conteúdos suplementares. Vejamos:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados." (grifos nossos)
12. A Carta Magna ainda dispõe sobre a hipótese de algum tema de âmbito das normas gerais não estar disciplinado, com os possíveis desdobramentos:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário." (grifos nossos)
13. Outro aspecto técnico a ser repisado é o fato de a base de cálculo do ICMS incorporar o valor do imposto, i.e, é um imposto calculado “por dentro”.
14. Essa determinação tem origem constitucional, vejamos o art. 155 da Constituição Federal:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...)
XII - cabe à lei complementar:
(...)
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.” (Grifos nossos)
15. Esse elemento essencial para determinação da base de cálculo do imposto foi ratificada pela Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir):
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(...)
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive nas hipóteses dos incisos V, IX e X do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
II - o valor correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;
b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.” (Grifos nossos)
16. Dessa maneira, os argumentos delineados acima devem ser tomados como premissas para a adequada interpretação do casuístico apresentado.
17. No que pertine à alíquota geral adotada no Distrito Federal, tem-se que ela é de 20%, a partir de 22 de janeiro de 2024.
18. A despeito do conflito aparente de normas, entre a Lei nº 1.254/1996 e o RICMS, esta antinomia é resolvida pelo caráter hierárquico das normas.
19. Ainda, o Ato Interpretativo nº 01/2024 desta Secretaria de Fazenda ratifica o entendimento aqui esposado. Este tema foi extensivamente tratado na Declaração de Ineficácia nº 14/2024, publicada no DOE - DF de 24/07/2024.
20. No que tange às operações interestaduais em que haja a figura do Diferencial de Alíquota (DIFAL), vejamos como a Lei nº 1.254/1996 e o RICMS tratam dessa sistemática:
Lei nº 1.254/96:
"Art. 6º A base de cálculo do imposto é:
(...)
IX – na entrada, no território do Distrito Federal, de mercadoria proveniente de outra unidade federada:
(...)
c) de bens ou serviços adquiridos por contribuinte do imposto, destinados a uso, consumo ou ativo permanente, o valor da operação ou da prestação na unidade federada de origem;
(...)
XIII – em operações e prestações interestaduais cujo adquirente ou tomador seja não contribuinte do imposto localizado no Distrito Federal, em relação à diferença de que trata o art. 20, o valor da operação ou preço do serviço, observado o disposto no art. 13, § 1º, da Lei Complementar federal nº 87, de 13 de setembro de 1996.
Art. 20. É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a interestadual, em operações e prestações interestaduais com bens ou serviços cujo adquirente ou tomador seja consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado no Distrito Federal." (Grifos nossos)
RICMS:
"Art. 34. A base de cálculo do imposto é (Lei nº 1.254, de 8 de novembro de 1996, art. 6º):
(...)
IX - na entrada, no território do Distrito Federal, de mercadoria proveniente de outra unidade federada:
(...)
c) de bens ou serviços adquiridos por contribuinte do imposto, destinados a uso, consumo ou ativo permanente, o valor da operação ou da prestação na unidade federada de origem;
(...)
Art. 48. É devido ao Distrito Federal o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna desta Unidade Federada e a interestadual, nas operações e prestações interestaduais que destinem:
I - bens ou serviços a contribuinte do imposto definido neste Regulamento, estabelecido no Distrito Federal, na condição de consumidor ou usuário final;
II - bens ou serviços a consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado no Distrito Federal.
§ 1º O disposto neste artigo se aplica, inclusive, nas aquisições interestaduais sem tributação do imposto na origem, desde que o bem ou serviço sejam tributados pelo Distrito Federal nas operações ou prestações internas, situação em que será considerada a alíquota interestadual da unidade federada de origem para o cálculo do valor do imposto.
(...).
§ 4º O recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, de que trata o inciso II, deverá ser feito pelo remetente.
(...)
§ 11. O imposto correspondente à diferença de que trata o inciso II do caput deverá ser calculado por meio da aplicação da seguinte fórmula:
ICMS origem = BC x ALQ inter
ICMS destino = [BC x ALQ intra] - ICMS origem
Onde:
BC = base de cálculo;
ALQ inter = alíquota interestadual aplicável à operação ou prestação;
ALQ intra = alíquota interna aplicável à operação ou prestação no Distrito Federal.” (Grifos nossos)
21. Como se depreende da literalidade apresentada, a Base de Cálculo do imposto era considerada sobre a operação de origem. Logo, via de regra, tanto o valor devido ao Estado de origem quanto ao Estado destinatário eram calculados sobre a mesma base de cálculo, a qual incorporava o valor devido na origem. Vejamos uma aplicação numérica:
· Valor de venda na origem: R$ 1.000,00 (inclui o ICMS)
· Alíquota interestadual: 7%
· Alíquota interna do destino: 20%
Valor destacado na nota de saída: R$ 1.000,00 * 0,07 = 70,00 (Valor devido na origem)
DIFAL = R$ 1.000,00 * 0,2 - R$ 70,00 = R$ 130,00 ( valor devido no destino)
Carga Tributária = R$ 70,00 + R$ 130,00 = R$ 200,00
22. Neste exemplo, o valor do ICMS “por dentro” é o valor destacado na nota de saída, i.e, R$ 70,00. Logo, nesse método de cálculo, a alíquota da operação de origem ajuda a compor a Base de Cálculo:
R$ 1.000,00 - R$ 70,00 = R$ 930,00 (valor da mercadoria sem ICMS)
R$ 930,00 / (1 - 0,07) = R$ 1.000,00 (valor de venda, incluindo ICMS)
23. Por seu turno, a Lei Complementar nº 190/2022 implementou uma nova forma de cálculo da base de cálculo nas operações interestaduais, destinadas ao uso, consumo ou integração ao ativo imobilizado do destinatário.
24. Além disso, fez uma diferenciação a depender se o destinatário é contribuinte ou não do imposto.
25. Vejamos os artigos pertinentes da Lei Complementar nº 87/96, alterada pela LC nº 190/2022:
“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(...)
XIII - da utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subseqüente.
XIV - do início da prestação de serviço de transporte interestadual, nas prestações não vinculadas a operação ou prestação subsequente, cujo tomador não seja contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido no Estado de destino; (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
XV - da entrada no território do Estado de bem ou mercadoria oriundos de outro Estado adquiridos por contribuinte do imposto e destinados ao seu uso ou consumo ou à integração ao seu ativo imobilizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
XVI - da saída, de estabelecimento de contribuinte, de bem ou mercadoria destinados a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido em outro Estado. (grifos nossos)
Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(...)
IX - nas hipóteses dos incisos XIII e XV do caput do art. 12 desta Lei Complementar: (Redação dada pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
a) o valor da operação ou prestação no Estado de origem, para o cálculo do imposto devido a esse Estado; (Incluída pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
b) o valor da operação ou prestação no Estado de destino, para o cálculo do imposto devido a esse Estado; (Incluída pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
X - nas hipóteses dos incisos XIV e XVI do caput do art. 12 desta Lei Complementar, o valor da operação ou o preço do serviço, para o cálculo do imposto devido ao Estado de origem e ao de destino." (Grifos nossos)
26. Assim, nas operações interestaduais entre contribuintes, a norma apresenta dois referenciais para a base de cálculo (Base Dupla), já para as operações com destinatário não contribuinte, a base de cálculo é única (Base Única).
27. Para elucidar a forma de cálculo dessas novas bases de cálculo, a LC nº 190/2022 apresentou as seguintes orientações:
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(...)
§ 6º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso IX do caput deste artigo: (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
I - a alíquota prevista para a operação ou prestação interestadual, para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de origem; (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
II - a alíquota prevista para a operação ou prestação interna, para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação no Estado de destino. (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) (Produção de efeitos)
§ 7º Utilizar-se-á, para os efeitos do inciso X do caput deste artigo, a alíquota prevista para a operação ou prestação interna no Estado de destino para estabelecer a base de cálculo da operação ou prestação."
28. Nas operações entre contribuintes: i) deve-se utilizar a alíquota da operação de origem (interestadual) para encontrar a base de cálculo do imposto devido ao Estado remetente; ii) deve-se utilizar a alíquota do Estado de destino (interna) para encontrar a base de cálculo para o DIFAL. Por sua vez, nas operações para não contribuintes: deve-se utilizar a alíquota do Estado de destino (interna) para encontrar a base de cálculo que será a mesma para o DIFAL e para o ICMS da origem.
29. Como a base de cálculo incorpora o ICMS, a alíquota da operação de referência é essencial para se chegar ao valor determinado pela norma. Vejamos um exemplo numérico, aplicando a legislação apresentada:
· Valor da mercadoria sem imposto: R$ 930,00 (mesma mercadoria do exemplo anterior à mudança)
· Alíquota interestadual: 7%
· Alíquota interna do destino: 20%
Operação entre contribuintes (utilizando literalidade do art. 13, § 6º) :
Base de cálculo origem: R$ 930 / (1 - 0,07) = R$ 1.000,00
ICMS devido na origem = R$ 1.000,00 * 0,07 = R$ 70,00
Base de cálculo para DIFAL Contribuinte (incorporando a alíquota interna do destino)
Base de cálculo destino: R$ 930,00 / (1 - 0,2) = R$ 1.162,50
ICMS Destino (DIFAL) = R$ 1.162,50 * 0,2 - 70,00 = R$ 162,50
Carga Tributária Total = R$ 70,00 + R$ 162,50 = R$ 232,50
Operação com destinatário não contribuinte (utilizando literalidade do art. 13, § 7º):
Base de cálculo única : R$ 930 / (1 - 0,2) = R$ 1.162,50
ICMS Origem = R$ 1.162,50 * 0,07 = R$ 81,375
ICMS Destino (DIFAL) = R$ 1.162,50 * 0,2 - R$ 81,375 = R$ 151,125
Carga Tributária Total = R$ 81,375 + R$ 151,125 = R$ 232,50
30. Importante observar que a forma de se calcular o DIFAL pela diferença das alíquotas interna e interestadual, aplicadas sobre suas respectivas bases de cálculo, cumpre a determinação do § 3º da Lei Complementar nº 87/96. Vejamos:
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é
(...)
§ 3º No caso da alínea “b” do inciso IX e do inciso X do caput deste artigo, o imposto a pagar ao Estado de destino será o valor correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a interestadual."
31. Não se deve perder de vista que a sistemática do DIFAL tem o escopo de evitar a guerra fiscal entre as unidades federadas. Assim, uma interpretação teleológica, que mantenha a carga total das operações equânime, independentemente se o destinatário é contribuinte ou não do imposto, atinge uma importante finalidade da norma.
32. Pelo exposto, considerando que a Lei Complementar nº 87/96 é uma norma geral em Direito Tributário, as disposições em contrário perdem sua eficácia, conforme dicção da Constituição Federal apontada alhures.
33. Isso posto, até que haja alteração legislativa no Distrito Federal conformando essas alterações, deve-se adotar a sistemática de cálculo do imposto conforme a Lei Complementar nº 87/96 preconiza, nos termos aduzidos acima.
34. Destaque-se que a inclusão de outras parcelas na Base de Cálculo, como frete, seguros e IPI, continua vigente e deve ser observada pelo contribuinte, se for o caso.
35. Quanto ao modo de calcular o valor das mercadorias sem o ICMS, de sorte a se proceder aos cálculos demonstrados, isso depende da política de preços de cada contribuinte.
36. Na linha do que foi apresentado, essa nova sistemática não cria cargas tributárias totais persas a depender do destinatário. Assim, basta o contribuinte definir o valor de sua operação ou prestação antes do imposto.
37. Como reforço argumentativo, afora a questão interna das instituições de estabelecer, ou não, uma política de formação de preços para sua gestão, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou pela não incorporação do ICMS no cálculo do Programa de Integração Social - PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins 2, o que redunda na necessidade de que os contribuintes tenham conhecimento do valor da sua operação ou prestação sem a inclusão do ICMS.
38. No que tange aos aspectos procedimentais, as dúvidas podem ser encaminhadas pelos canais eletrônicos desta Secretaria de Fazenda, como o atendimento virtual, disponível no endereço eletrônico https://www.receita.fazenda.df.gov.br/.
III - Conclusão - Resposta
39. Pelo exposto, em resposta ao Consulente, destacamos a introdução e os questionamentos apresentados:
“A) Se o entendimento expressado pela Consulente para determinação da base de cálculo do diferencial de alíquotas nas vendas efetuadas a não contribuintes do ICMS está correto, ou seja, se deve:
(i) excluir o ICMS interestadual, para identificar o valor da operação sem o ICMS;
(ii) Incluir o ICMS no valor encontrado no item (i) acima considerando a alíquota interna no Distrito Federal, adotando a fórmula Vr. Operação sem ICMS / (1 – alíquota interna).
B) Se o entendimento expressado pela consulente no cálculo do diferencial de alíquotas nas aquisições efetuadas por contribuintes do ICMS de mercadorias destinadas ao ativo imobilizado com base na Lei nº 1.254/1996 e o RICMS-DF/1997 está correto, ou seja, se deve aplicar, sobre o valor da operação apresentada na nota fiscal, a diferença entre as alíquotas interna e interestadual;
C) Qual o procedimento a ser adotado na determinação do valor do ICMS a ser recolhido a ?tulo de diferencial de alíquotas nas aquisições efetuadas por contribuintes do ICMS de mercadorias destinadas ao ativo imobilizado: se o cálculo efetuado com base na Lei nº 1.254/1996 e o RICMS-DF/1997 ou o cálculo expressado pela Consulente com base no seu entendimento da LC nº 87/1996, com as alterações trazidas pela LC nº 190/2022;
D) Se os cálculos hipotéticos apresentados pela Consulente, tanto na determinação do valor a ser recolhido a ?tulo de diferencial de alíquotas nas vendas para não contribuintes do ICMS quanto nas aquisições efetuadas por contribuintes do imposto, estão corretos/
E) Caso não estejam corretos, solicita na Consulente uma explicação sobre o cálculo a ser adotado, inclusive com demonstração do cálculo a ser observado, tanto nas operações com contribuintes quanto nas operações com não contribuintes do ICMS.”
40. Resposta a questionamento preliminar da inicial:
No que pertine à alíquota geral adotada no Distrito Federal, tem-se que ela é de 20%, a partir de 22 de janeiro de 2024.
A despeito do conflito aparente de normas, entre a Lei nº 1.254/1996 e o RICMS, esta antinomia é resolvida pelo caráter hierárquico das normas.
Ainda, o Ato Interpretativo nº 01/2024 desta Secretaria de Fazenda ratifica o entendimento aqui esposado. Este tema foi extensivamente tratado na Declaração de Ineficácia nº 14/2024, publicada no DOE - DF de 24/07/2024.
41. Resposta à letra A:
i) A forma de calcular o valor de suas operações e prestações sem o ICMS pode ser a adotada pelo Consulente. Entretanto, isso não vincula a Administração Fazendária, já que a composição de preços de operações tributadas cabe a cada contribuinte.
Conforme demonstrado na fundamentação deste Parecer, ao estipular o preço de suas operações e prestações sem o ICMS, a carga tributária total do contribuinte será a mesma, independentemente do destinatário.
ii) Sim. Esse é o modo de se incluir o ICMS na base de cálculo do imposto.
42. Resposta à letra B: Não. O cálculo apresentado pelo Consulente apresenta alguns equívocos. A Base de Cálculo do DIFAL deve incorporar a alíquota do destino e a diferença entre as alíquotas deve ser aplicada sobre a respectiva base de cálculo.
Como meio de exemplificar a maneira correta, apresentamos o seguinte exemplo:
· Valor da mercadoria sem imposto: R$ 930,00
· Alíquota interestadual: 7%
· Alíquota interna do destino: 20%
Operação entre contribuintes (utilizando literalidade do art. 13, § 6º) :
Base de cálculo origem: R$ 930/ (1 - 0,07) = R$ 1.000,00
ICMS devido na origem = R$ 1.000,00 * 0,07 = R$ 70,00
Base de cálculo para DIFAL Contribuinte (incorporando a alíquota interna do destino)
Base de cálculo destino: R$ 930,00 / (1 - 0,2) = R$ 1.162,50
ICMS Destino (DIFAL) = R$ 1.162,50 * 0,2 - R$ 70,00 = R$ 162,50
Carga Tributária Total = R$ 70,00 + R$ 162,50 = R$ 232,50
43. Resposta à letra C: Tendo em vista a superveniência de disposição em norma geral de Direito Tributário (Lei Complementar nº 87/96) e as prescrições do § 4º do art. 24 da Constituição Federal, até que haja alteração legislativa no Distrito Federal, os cálculos devem seguir as prescrições trazidas na Lei Complementar. Assim, aplica-se o modelo de cálculo apresentado neste parecer.
44. Resposta à letra D: Vide resposta A quanto ao modo de calcular o valor da operação sem ICMS. Além do modelo de cálculo já apresentado nas operações interestaduais entre contribuintes, segue o meio de cálculo nas operações e prestações interestaduais para não contribuintes:
Operação com destinatário não contribuinte (utilizando literalidade do art. 13, § 7º):
· Valor da mercadoria sem imposto: R$ 930,00
· Alíquota interestadual: 7%
· Alíquota interna do destino: 20%
Base de cálculo única : R$ 930,00 / (1 - 0,2) = R$ 1.162,50
ICMS Origem = R$ 1.162,50 * 0,07 = 81,375
ICMS Destino (DIFAL) = R$ 1.162,50 * 0,2 - R$ 81,375 = R$ 151,125
Carga Tributária Total = R$ 81,375 + R$ 151,125 = R$ 232,50
45. Resposta à letra E: Prejudicada. Os cálculos foram apresentados tanto na fundamentação quanto na parte dispositiva.
46. Pelo exposto, nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do RPAF.
À consideração de V.S.ª.
Brasília-DF, 08 de outubro de 2024.
Rodrigo Augusto Batalha Alves
Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal
1 - CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2020. e CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2010.
2 - BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tese 69 (Tese do século). (RE 574706)
À Coordenadora de Tributação da COTRI.
De acordo.
Encaminhamos à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.
Brasília-DF, 09 de outubro de 2024.
Luísa Matta Machado Fernandes Souza
Gerência de Esclarecimento de Normas
Gerente
Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "d" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 129, de 30 de junho de 2022 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 124, de 05 de julho de 2022, pág.4).
A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.
Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.
Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.
Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.
Brasília-DF, 18 de outubro de 2024.
Daviline Bravin Silva
Coordenação de Tributação
Coordenadora